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segunda-feira, 28 de maio de 2007

Fernando Pessoa

Fernando Pessoa, poeta múltiplo como o universo, assumiu a Arte como uma missão, ao viver abissalmente para a criação mito-poética de suas personas, podendo ser comparado a Shakespeare, Van Gogh e Artaud, que viveram para a Arte ao assumir a existência como um ritus, onde a Arte tinha que ser o centro de tudo, ter um caráter duplo de vida e de morte.

Pessoa despersonaliza-se no labirinto da linguagem e nela cria seu palco como um autêntico Dionisos, fazendo emergir os outros Eus tão distantes e próximos de seu olhar. Tece esse fio criador e percorre como Dédalo o labirinto da criação. E nele ri... chora... canta... morre... nasce e expande-se, através das máscaras Chevalier de Pas, Alberto Caeiro, Ricardo Reis, Álvaro de Campos, Bernardo Soares, Alexander Search, Fausto, as veladoras do Marinheiro e tantas outras que brotam do seu Ser.

Construindo esse universo ficcional e tão real, já que Fingir é Conhecer-se, Pessoa pasma-se e, num êxtase dionisiano adentra as trevas inebriando e encantando as almas como Orpheu. Na ágora do imaginário povoa o mundo com seus versos, que falam da humanidade. Ele já não sabe, sabendo que não é, sendo o Guardador de Rebanhos, o poeta da natureza, o mestre de Si e dos Outros, já que seu criador o quis. A persona Caeiro negando a especulação das subjetividades metafísicas interpreta o mundo a partir dos sentidos: ``Penso com os olhos e com os ouvidos/ E com as mãos e os pés / E com o nariz e a boca''.

A fragmentação faz-se, e eis que se instala a tragicomédia na criança de outrora, que brincava de ser outros, um certo Chevalier de Pas, que fazia da existência de Pessoa uma festa, possibilitando-lhe o vôo da dissimulação: ``Desde criança tive a tendência para criar em meu torno um mundo fictício, de me cercar de amigos e conhecidos que nunca existiram. Esse mundo tão diverso, onde várias são as vontades e as procuras, gera a inquietude num sujeito, cujas máscaras insistem em fazer-se vida e a vida é gerada palavra a palavra num outro'' - Eu Álvaro de Campos, o qual assume também a multiplicidade e já se torna outros.

Álvaro de Campos constrói a Ode Triunfal e brinca de ser máquina, uma certa máquina de um progresso que pulsa das entranhas do homem para o que supostamente chamamos realidade: ``Ah poder exprimir-me todo como um motor se exprime! / Ser completo como uma máquina! / Poder ir na vida triunfante como um automóvel último modelo!''. E a realidade é para Campos um outro caminho que o conduzirá por um infinito mar, em que o homem torna-se o arquétipo do navegante ritualizando as pulsões marítimas, passível do prazer e da dor. ``No mar, no mar, no mar, no mar, / Eh! pôr no mar, ao vento, às vagas, / A minha vida! / Salgar de espuma arremessada pelos ventos / Meu paladar das grandes viagens''.

O Sensacionismo de Campos ultrapassa limites e numa vertigem insaciável busca na Passagem das Horas. Ele procura como seu próprio criador o afago em um cigarro de uma certa Tabacaria longe do tempo e do espaço, mas também dentro do tempo e do espaço, onde se presentificam todas as tensões existenciais. A encenação é o Nada, o Nada é a vida, e a vida é também a possibilidade do sonho: ``Não sou nada/ Nunca serei nada/ Não posso querer ser nada/ À parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo''. A aventura de Campos, por seu labirinto interior, procura atingir múltiplas paisagens e seu olhar se lança para uma paisagem arquetípica presente na Noite, a grande deusa dos mistérios. Torna-se filho dessa divindade lunar e já não sabe se retorna do útero originário.

As máscaras da noite cedem às do dia e Apolo sorri ao receber a taça de Dionisos. Ricardo Reis surge de Pessoa e passa a caminhar por um tempo de ninfas, musas e sábios. O nada em excesso, a medida de todas as coisas manifesta-se na disciplina desse epicurista, cujo prazer está nos limites do homem diante da potência trágica do destino e do tempo: ``Sofro, Lídia, do medo do destino/ A leve pedra que um momento ergue / As lisas rodas do meu carro, aterra / Meu coração. É necessário sentir a vida pensando-a, para não cometer a falha trágica, querer ser Deus ou mais que ele: Tudo é tudo, e mais alto estão os deuses,/ Não pertence à ciência conhecê-los/ Mas adorar devemos seus vultos como às flores''.

O visionário Pessoa almeja um outro vôo, um vôo pelos caminhos do sonho e do mistério da morte em embate com a vida. Eis que se epifaniza no horizonte da finitude o olhar estático de três veladoras diante de uma morta, cuja imagem é a da vida se des-construindo no tempo. Pessoa encobre-se na imagem do Marinheiro, aquele que paira no oculto das imagens oníricas. O Marinheiro-Pessoa é o navegante construtor de um mundo todo seu onde possa manifestar seus vislumbres, configurado na segunda voz: ``Ao princípio ele criou as paisagens; depois criou as cidades; criou depois as ruas e as travessas, uma a uma, cinzelando-a na matéria de sua alma. Pessoa saboreou longas horas Shakespeare e, talvez, para aplaudí-lo, deu-lhe de presente O Marinheiro, onde se concretiza o que Joyce falara: a emoção trágica, ou antes, a emoção dramática, tem um caráter estático.

O palco pessoano é também a presentificação dos heróis, dos mitos e dos deuses de uma pátria procurada por Pessoa - aquela que não mais voltará, por ser inacessível aos filhos de Géia. Resta-lhe, então, cantá-la na Mensagem para que se consubstancie no mundo da Arte. A Mensagem presentifica a persona épica de Fernando Pessoa em cada voz, seja a de Ulisses: ``O Mitho é o Nada que é tudo/ O mesmo sol que abre os céus /É um mitho brilhante e mudo - ? O corpo morto de Deus, / Vivo e desnudo''. A de D. Diniz: ``Na Noite escreve em seu Cantar de Amigo/ O plantador de naus e haver/ E ouve um silêncio murmuro comsigo:/ É o rumor dos pinhaes que, como um trigo/ De Império, ondulam sem se poder ver''. A de D. Sebastião: ``Louco, sim, louco, porque quiz grandeza/ Qual a Sorte a não dá./ Não coube em mim minha certeza:/Porisso onde o areal está/ Ficou meu ser que houve, não o que há''.

Como nos diz Augusto Seabra, a poesia de Pessoa é vista, fundamentalmente, como um jogo do ``vivido'' imaginário, como um ``poetodrama'', mais do que como o drama do imaginário vivido. O labirinto se amplia em curvas e Pessoa é, na verdade, um grande e misterioso baú, donde podem infinitas personas emergir para povoar o grande palco da Arte. Ele ainda brinca de ser Bernardo Soares, o guardador de livros, de Alexandre Search, o fidalgo Barão de Teive, o periodista satírico francês Jean Seul. Vicente Guedes, Mr. Cros, Antonio Mora, Fausto e percorrendo o universo do Eu do Outro como um irreverente Hermes, deixa vir à lume a possibilidade da multiplicidade, do artista apreender o mundo em várias perspectivas e cosmovisões e assim poder se encontrar no desconhecido labirinto da vida, plena de palavras, des-velando emoções, sentimentos e paixões, fazendo-nos sentir-se plural como o universo.

"Ó mar salgado, quanto do teu sal
São lágrimas de Portugal!
Por te cruzarmos, quantas mães choraram,
Quantos filhos em vão rezaram!
Quantas noivas ficaram por casar
Para que fosses nosso, ó mar!
Valeu a pena? Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena.
Quem quer passar além do Bojador
Tem que passar além da dor.
Deus ao mar o perigo e o abismo deu,
Mas nele é que espelhou o céu".

Ouvimos a seguir a sensualidade filosófica de Caeiro:

"Não me importo com às rimas. Raras vezes
Há duas árvores iguais, uma ao lado da outra.
Penso e escrevo como as flores têm cor
Mas com menos perfeição no meu modo de
exprimir-me
Porque me falta a simplicidade divina
De ser todo só o meu exterior".
(investigação e estudo)

4 comentários:

Lamartine DIas disse...

Realmente o Fernando Pessoa foi um dos maiores escritores que tivemos. A sua escrita era rica e complexa, era universal. Apesar de nos deixar apenas um livro "A Mensagem" deixou uma Obra riquíssima para a nossa língua.

turbolenta disse...

Adoro Fernando Pessoa.Sabia do uso dos seus pseudónimos, mas a informação de hoje está mesmo muito completa.Ainda bem,pois assim aumentei os meus conhecimentos sobre este grande autor
boa semana

Fay van Gelder disse...

Olá Manuela,
Nossa até que enfim consegui identificar-te, Desculpa, passo cá muitas vezes. Mas agora identificar o teu nome com o Blog é que estava dificil (risos...)

Obg pelos emails, envia sempre - Ok?

Eu Adoro Fernando Pessoa e adorei ler-te. Obra Linda a que Pessoa nos deixou.

Bjo e Bom resto de Semana

Fay van Gelder disse...

Olá amiga e Obg pelo carinho para com o meu Blog, eu também acho o teu Blog muito especial e gosto muito de cá passar.

Amiga, não se preocupe que você não falhou em nada, tudo bem.
No Problem.

Quanto ao livro O Poder Cósmico da Mente, eu gosto de ler de tudo, sou um Espirito Livre e Aberto.
No entanto sou TOTALMENTE contra Radicalismos, quer sejam Religiosos ou não, Modas ou não...

Tudo tem de ter conta, peso e medida e nada de Exageros ou Fanatismos.

Só com Equilíbrio é que conseguimos atingir minimamente a Felicidade (ou pelo menos Bem Estar ) e mesmo assim ela nunca é total, mas isso é próprio do ser humano.

Sou uma pessoa de Luz e procuro espalhar o Bem, por onde passo, mas cada vez mais é difícil, neste mundo tão egoísta, NUNCA DESISTIR é a chave, um pouco aqui, outro ali e lá se vai conseguindo um pouco de cada vez...

Beijos Grandes Manuela e um Super Fim de Semana para ti.