"Quando uma aldeia se transforma numa cidade, ou uma criança num homem, a aldeia e a criança ficam perdidas na cidade e no homem. Só a memória pode descobrir as antigas feições nesse novo quadro; e, de fato, os antigos materiais ou formas foram abandonados e substituídos por novos. O mesmo não ocorre com o desenvolvimento da mente. Aqui, pode-se descrever o estado de coisas, que não encontra termo algum de comparação, com a mera afirmativa de que, nesse caso, cada etapa anterior de desenvolvimento persiste ao lado da etapa posterior dela derivada; aqui, a sucessão também envolve a coexistência, embora toda a série de transformações tenha sido aplicada aos mesmos materiais. O estado mental anterior pode não ter-se manifestado durante anos; não obstante, está presente há tanto tempo, que poderá, em qualquer época, tornar-se novamente a modalidade de expressão das forças da mente, e na realidade a única, como se todos os desenvolvimentos posteriores tivessem sido anulados ou desfeitos. Essa extraordinária plasticidade dos desenvolvimentos mentais não se restringe ao que diz respeito à direção; pode ser descrita como uma capacidade especial para a involução – para a regressão -, de uma vez que pode muito bem acontecer que uma etapa posterior e mais elevada de desenvolvimento, tão logo abandonada, talvez não seja alcançada de novo. Contudo, as etapas primitivas sempre podem ser restabelecidas; a mente primitiva é, no sentido mais pleno desse termo, imperecível.
O que chamamos de doenças mentais inevitavelmente produz a impressão, no leigo, de que a vida intelectual e mental foi destruída. Na realidade, a destruição só se aplica a aquisições e desenvolvimentos ulteriores. A essência da doença mental reside num retorno a estados anteriores de vida afetiva e de funcionamento." (Freud em "Reflexões para os tempos de Guerra e Morte", 1915)
Imagem: Laço (1956), Escher, litografia. Divulgação / M.C. Escher Foundation-Baarn-Netherlands
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